domingo, 29 de janeiro de 2012

Página de diário

Dia 26 de outubro de 2011

     Hoje passei por uma loja de animas, e vi um pequeno peixe vermelho muito bonito. Parei para o ver melhor, para o admirar... e de repente ele parou por um segundo e fixou-me...
     Por um momento lembrei-me da imagem do Sermão do Padre António Vieira aos peixes.
     Todos aqueles pequenos seres com cérebros minúsculos a olhar para o Padre António Vieira, a sugar todas as suas palavras, o seu conhecimento, as suas ideias e convicções.
     O Padre António Vieira a dar um sermão aos peixes, seres que têm três segundos de memória... Claro que o sermão não é dirigido aos peixes. A imagem em si, é bastante  poderosa, e por mais ridícula que pareça, mostra um certo sentido de verdade.


Ana Rita Azevedo

Páginas de um diário (Gabriel)


Diário Literário


28.10.2011 – Reflexão de um sermão (Pe António Vieira)

 Pregarei eu em São Luís do Maranhão.
 E pregarei eu sob ponto afortunado que Cristo, senhor nosso, doutrinara ou apenas quisera dizer sob palavras gloriosas que empregam os pregadores da nossa terra.
«Vos estis sal terrae»
Pregarei não por apenas pregar, ou querer imitar os outros pregadores, mas pregarei porque desta forma, gente pouco doutrinada se vê pregada.
 E pregarei porque os pele-vermelha precisa de quem lhes pregue. E pregarei porque os colonos precisam de quem lhes pregue.
 Se, ou é porque o sal não salga e não há a quem pregar se não aos peixes, ou se é porque o sal salga, mas a terra se não se deixa salgar, há quem queira ser doutrinado, mas apenas isso.
 Pregarei eu então - aos peixes.



04.11.2011 – Sermão de Santo(s) Álvaro Pereira aos “peixes”


Será o princípio do fim da crise,
                   St. Pereira, V de hoje

 «Nós Portugueses (…)», diz Álvaro Santos Pereira, senhor nosso, primeiro ministro de Portugal, falando com o povo que tudo abarca, «(…)estamos no princípio do fim da crise»: e por princípio do fim da crise entenda-se a chegada do fim da crise às terras portuguesas.
 O dever de todos esses governos é encaminhar o povo a uma terra sem crise. E por crise entenda-se todas as falácias de pensamentos e vontades mal-empregues, se do povo ou do governo ideias frescas fossem trabalhadas nas mesas orientadoras do país.
 Mas quando Portugal se vê tão afundado, quanto mais do Tejo, pela crise que tem ofício nas mãos de portugueses, que haverá do Santo(s) se não pregar junto ao Cais no desespero acumulado de cabeças e cabeças de peixitos que por tudo temem ser pregados?
 Ou é porque o Pereira não dá fruto e não há o povo de querer acreditar no princípio do fim; Ou é porque o povo de tão saturado ouvido, jamais se desabituará da crise e o princípio do fim não irá chegar; Ou é porque o Álvaro não é nenhum Santo(s) e já diz que não declarara o fim da crise e o povo crê que esta não tem princípio nem fim; Ou é porque estão os portugueses destinados ao desafortunado piedoso mundo da crise.



20.11.2011 Escrevendo

Porque escrevo se não sinto?
Porque leio se não vejo?

Escrever, para mim é aborrecido. Mas eu gosto.
Não escrevo por gostar, apenas porque é aborrecido,
E quando gosto, não escrevo porque não sinto o que vejo.

Se visse o que sinto e se sentisse o que vejo, talvez escrevesse por gosto, mas aí iria deixar de ser aborrecido escrever, e eu não gostaria.

Escrevendo o que leio, não vejo o que sinto e não sinto o que vejo e isso é aborrecido.
Por isso gosto de escrever o que não escrevo e ler o que não leio.

23.11.2011 Fim do tempo


Sou pele-vermelha no seio da terra
Respiro ar perturbado dos senhores
Que agora tomando os céus
Movimentam as estrelas.

Bons foram os antigos tempos
Em que as estrelas eram estrelas, e se contavam
Os pássaros viajavam
Sem nada temer no próximo destino.

Pele-vermelha sente
Atormentar de ventos piedosos
De máquinas de ferro
Destruindo, o que já não há para destruir.

Seco o mundo por fora

Eu vejo pele-vermelha
Perdido do nada
Rejeitado pelos seus.

Corre num choro bramindo,
Brando: morre a terra.



Gabriel Filipe Gonçalves, n10                        
11E

sábado, 28 de janeiro de 2012

Tecendo como deuses

As mãos são de meninos e meninas do primeiro ciclo que estiveram na escola num workshop em que os formadores foram alunos de 11º ano numa aula de Projeto e Tecnologias em ambiente de concentração, entrega, silêncio, como só as crianças sabem fazer quando estão apaixonadas por aquilo que as ocupa.
                                         (foto da professora Eli)
Tecem uma estrutura que se repete na diversidade da cor.
Como deuses.
                                            (foto da professora Eli)
Na tragédia grega os deuses brincam assim com o destino dos homens.
                                          (foto da professora Eli)
Como humanos.

Sobre: Vermelho, no Teatro Aberto



De um texto que escrevi noutro lugar, destaco, a propósito da peça Vermelho, em cena no Teatro Aberto:

"[...] A história é o quotidiano de um pintor com seus dramas criativos, filosóficos, literários. Mas a mente é apolineamente trágica.
E o drama, tal como na peça Frei Luís de Sousa, redunda em tragédia. Em Frei Luís de Sousa, porque Garrett assim o quis: limpar com o sangue contido e modelar da tragédia o esgotamento mortífero causado pelos excessos do drama romântico.
Aqui, em Vermelho, porque a tragédia já lá estava. É muito fácil criar as condições para a tragédia. Basta desafiar os deuses. Basta ser humano. [...]"

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Partidas

A propósito de partidas, como foi o caso de D. Sebastião e de D. João de Portugal, recordo:
http://www.youtube.com/watch?v=b_KWWzH2nCw

e ainda:


http://www.youtube.com/watch?v=6oF9bu4gIU4
com poema de João Roiz de Castelo Branco.

Aqui está o belíssimo, antigo e atualíssimo texto da "Cantiga partindo-se":
http://www.youtube.com/watch?v=sB5pq5nCR68



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Acordo... ortográfico...

... ou o futuro acordo de concertação social?
 Falava-se, na aula, acerca do acordo ortográfico. Eu explicava que locuções como "fim de semana" perdem o hífen.
Perguntava um aluno: "Então como se contam agora as palavras, neste caso, na composição de um exame de Português?
Bem observado.
Depois, brincando (ou não, sabe-se lá), falou-se do boato (shiu... não deem ideias...) acerca da reintrodução das aulas ao sábado. E foi então dito que este acordo foi apenas uma manobra de diversão, um pretexto para, começando por retirar o hifen do fim de semana, prosseguir com a eliminação do fim de semana ele mesmo. Após o qual será completamente irrelevante a presença ou não do hifen, porque deixando de existir a relaidade já não precisamos do nome dela.
Calem-se aí com os agouros, que já não estamos no Romantismo.

Ainda a modernidade...

... de Frei Luís de Sousa.
Comentávamos no outro dia numa aula que se quiséssemos explicar a um ser de outro planeta o funcionamento das instituições humanas, nomeadamente a família, a nossa tarefa não seria tão fácil como há umas décadas atrás. Agora teríamos de equacionar uma imensa diversidade: homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher, pai, mãe e filhos, pai e pai e filhos, mãe e mãe e filhos,  pai e mãe, filhos e enteados, padrasto, mãe e filhos e enteados, pai, padrasto, filhos e enteados, mãe, madrasta, filhos e enteados, etc, etc, etc, por aí fora.
Frei Luís de Sousa foi escrito no século XIX, situa-se historicamente nos finais do século XIX e princípios do século XVII, mas a formulação não é mais simples: mulher, segundo marido e filha, mais primeiro marido sem que tenha havido divórcio. Logo, mulher com dois maridos e uma filha que passa de legítima a ilegítima enquanto o diabo esfrega um olho. Ainda mais rapidamente esta formação familiar evolui para: filha morta, primeiro marido viúvo em vida de sua mulher, entrada num convento, tal como o seu segundo marido, afinal "ilegítimado" pela existência do primeiro.
Perceberam? Nada? Têm bom remédio: leiam...

Maria, romantismo e e modernidade

Maria é uma personagem da peça Frei Luís de Sousa, que estamos a estudar.
É uma menina precoce e diferente, atenta.
Cresceu muito, vê e ouve coisas de que os outros nãos e apercebem, é sebastianista por influência de Telmo e tem conversas de adulto.
Algumas das características da personagem apontam para a doença do século XIX e do romantismo: a tuberculose.
É curioso que, sendo em algumas tradições, o pulmão associado à tristeza, isto seja estranhamente coerente com alguns aspetos do ambiente psicológico do romantismo: a melancolia, a obsessão da morte.
A tuberculose está para o século XIX como o HIV para o final do século XX, princípio de XXI. Também há quem estude atualmente esta doença do ponto de vista simbólico, nomeadamente alguns psiquiatras e psicólogos, mas não sei o suficiente sobre esses estudos para poder falar deles.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Os que partem e os que ficam

Nestes últimos dias, preparando as aulas da semana, tornou-se-me particularmente significativo este padrão nacional de partida, com as dramáticas consequências familiares, quer para os que ficavam, quer para os que partiam.
Os que ficavam, após anos e anos de solidão, acabavam por reorganizar as suas vidas, os que partiam, encontravam, ao regressar, a queda do seu anterior mundo. Outras vezes eram esses que lá por longe reconstituíam família.
Isto aconteceu durante as guerras medievais, mais tarde nos descobrimentos (Gil Vicente trata este tema), e mais recentemente com a guerra colonial e a ditadura.
O fenómeno está novamente a acontecer, com uma diferença a assinalar: as facilidades que temos atualmente, quer de comunicação, quer de deslocação. Tudo é muito mais rápido, mais imediato, mais presente. Estamos rede. Para o melhor e para o pior.
Hoje, o guerreiro teria estado permanentemente em contacto com a sua esposa através da Internet. Em plena guerra. Mas não sabemos o que é o melhor.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Mudança

Em tempo de mudança (de mês, de ano, de paradigma) não posso de deixar de recordar aqui o soneto de Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


José Mário Branco compôs, a partir deste poema, uma belíssima canção:

http://www.youtube.com/watch?v=tTTdJ5FM1mY


Também vem a propósito de mudança, o gesto de Manuel de Sousa Coutinho em Frei de Luís de Sousa, ao incendiar a sua casa. Este gesto inaugurou uma outra vida, uma tragédia, uma morte. Mudanças.

Mas nem todas as mudanças são trágicas, por isso aqui deixo o endereço da canção de Mercedes Sosa com votos de um excelente e estimulante 2º período:

http://www.youtube.com/watch?v=Za75SkduQX8

Sejam bem vindos ao novo ano!