domingo, 16 de junho de 2013

Páginas do diário da Inês Duarte

Já repararam que quando se diz uma palavra muitas vezes seguidas, ela perde o seu significado? Torna-se estranha e engraçada ao mesmo tempo! Querem ver? Repitam isto em voz alta: tigela,tigela, tigela, tigela, tigela, tigela tigela, tigela, tigela,tigela, tigela, tigela, tigela, tigela tigela, tigela, tigela,tigela, tigela, tigela, tigela, tigela tigela, tigela, tigela,tigela, tigela, tigela, tigela, tigela tigela, tigela...
Até a escrever fica engraçado. Aquele conjunto de sons e riscos (no caso da escrita) já não parece tão familiar. Afinal o que é uma tigela? Já não sei! Porque se chama tigela? Não faço a mínima ideia mas é uma palavra divertida.



O Natal já passou e agora vem aí o Ano Novo.
A melancolia do fim das férias já se instalou.
Não há nada para fazer e no entanto falta fazer muita coisa.
Normalmente, nestes dias de intervalo entre festividades fazemos arrumações e limpezas.
Passo os dias em casa e só saio se for estritamente necessário.
Nas férias gosto de ser bicho do mato.
Faço um intervalo do resto do mundo e fico no meu canto sossegada e aconchegada.
Para mim não há nada melhor que isso.
Depois, quando acabarem as férias, voltarei à sociedade.



Matamos todas as lagartas
E queixamo-nos de não haver
Borboletas

Cortamos todas as árvores
E queixamo-nos de não haver
Florestas



À procura de inspiração suficiente
Para escrever um texto minimamente decente
Sentada dentro da minha cama
À espera que o sono venha

Com o meu gato a dormir
E a lâmpada do candeeiro a luzir
Escrevo versos que rimam
Que da minha cabeça saíram

Estarão bem?
Estarão mal?
Ou vou ter de os repetir?



Nem tudo o que brilha é ouro.
Nem tudo o que tem asas voa.
Nem tudo o que tem escamas nada.
Nem tudo o que tem pernas anda.
Nem tudo o que é bom é branco.
Nem tudo o que é mau é preto.
Nem tudo o que é escuro é noite.
Nem tudo o que é claro é dia.
Nem tudo o que tem folhas é árvore.
Nem tudo o que tem rochas é montanha.
Nem tudo o que tem areia é deserto.
Nem tudo o que tem água é mar.
Nem tudo é o que parece.
Nem tudo deixa de parecer.



Era uma vez
Um tsuru que a Inês fez.
Foi feito no 6º ano
A partir de uma folha azul.

O pobre tsuru nunca
Aprendeu a voar
O máximo que conseguia
Era ser arrastado pelas correntes de ar.

E agora o pobre pássaro
Vive espalmado entre livros
Para a sua autora
O poder conservar.



"Um Pedaço de Sorte"
Um pedaço de sorte
Para o dia correr bem
Tens que ser forte
E aceitar aquilo que vem.



Nise é um pássaro
Que vive no Mónaco.
As cores do seu casaco
Têm um tom muito raro.

É um pássaro mudo,
Nunca ninguém o ouviu.
Esta espécie é independente
E não é vista por muita gente.

Gostam de estar sossegados
Por isso passam maior parte do tempo
Nos ramos das árvores, empoleirados.



"Como Fazer um Romance Naturalista"
-400gr de realismo
-450gr de ciência
-300gr de observação
-250gr de problemas sociais
300gr de análise

Junte os problemas sociais com a ciência e misture durante meia hora. depois de obter uma massa consistente adicione o realismo e mexa. Vá juntando aos poucos a análise e a observação ao preparado.
Ponha a massa numa forma quadrada ou rectangular e coloque-a no forno a 18º durante uma hora.
Quando retirar o Naturalismo do forno, faça cortes horizontais, sem atingir um dos lados.
Bom apetite!



Estoicismo- Olhar a realidade como ela é, sem se deixar abater por ela.
Pode-se dizer que as pessoas (nós) deviam ser "estóicas". Encarar os nossos problemas sem nos assustarmos com o mundo lá fora.
Dizer: "Aconteceu isto, então vou ver o que posso fazer para solucionar a situação".
Arranjar forma de o mundo não parecer tão escuro; pegar num pincel arco-íris e pintar o ar.
E assim resolvemos os nossos problemas.



Cesário Verde é um poeta
Que tudo descreve
Através de uma luneta,
E com uma visão clara com neve.

A noite é escura,
Os passeios estreitos.
O tempo não cura,
Todos os defeitos.



Estamos sempre fora do nosso tempo e ao mesmo tempo somos actuais.
Somos todos diferentes e somos todos iguais.
É o que nos torna humanos e/ ou racionais.
Somos sujeitos simples, compostos, nulos, introdutórios, desenvolvidos, concluídos, classicistas, românticos, dramáticos, personagens tipo, planas, modeladas, estáticas, estóicos, realistas, naturalistas, heterónimas e anacrónicas.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Páginas do diário do Gabriel



No meu quarto, reflectindo
11 Janeiro 2012

E se um dia o mundo se virasse ao contrário?
Seriam as pessoas diferentes, com as ideias de hoje ao contrário?
Mas o mundo jamais cairá nessa tentação…

Na cama, na escola
16 Janeiro 2012

Manhã desastrosa
Numa daquelas manhãs de Inverno, de segunda-feira, onde a preguiça é a primeira acordar e a rotina semanal fora o pesadelo da noite, decido eu voltar costas à ronha e trocar as voltas.
De manhã, ao invés da tradicional tigela cheia de leite com chocapic, empanturrei-me de tigela com “chocapic” e leite.
De seguida, dirijo-me à casa de banho e não tomo a previsível acção, que esperam vocês ser a de lavar a cara, de novo.
[Sujando a água de tanto chapinar a cara inchada e remelenta em que me mostro no espelho da frente.]
Arrumo a mala de livros e trapilhos. Pego nos meus pés sem que eles me conduzam e levo-os até ao Sr. Roubado, o habitual, e apanho o metro até à escola.
Agora, colocando os pés ao lugar e todos os outros membros, que adormecidos permaneciam nos lugares de jeito, quebro o silêncio estúpido e irritante das gentes robotizadas, pelo «entra e sai» do metro, pondo q. b. de voz na língua e um pouco de alegria, cantarolando como alguns pedintes que aqui e ali preenchem a vida “metrana” quando este mais mendigo não poderia estar.
As pessoas, trocando as voltas que seria de esperar, dão o silêncio aos tremores ruidosos da máquina ferril e libertam um coro de cantos dispersando-se cada uma delas nos locais seus de costume, de rotina.
Eu, À escola chego. Troco mais uma vez as voltas e para à rotina não falhar, volto as costas à escola e à cama me torno na rota do metro, de novo a tomar.


No meio de um jardim de laranjeiras
10 Janeiro 2012

Árvore.
Todos pensamos numa simples planta que nos dá bons frutos. Mas é muito mais que apenas isso. Se pararmos e olharmos para uma árvore podemos ver tantas coisas! Muita importância e significados múltiplos.
Umas simples laranjeiras podem ser consideradas (em certos países) como o fruto de ouro. A árvore não é somente aquilo que nos dá.
É vida, é história, contos de fadas, símbolo que nos identifica em circunstâncias: por emoções, sabores, sons…
É o bebé que aprende a crescer, a criança alegre, o adolescente que tem belos e únicos prazeres, o adulto que recorda, o velho que morre. A geração.

A partir de agora de várias formas
20 Fevereiro 2012

RELATO RÁPIDO
um soco que levei ao sair do autocarro 717 no Campo Grande.
Depois de sair da escola, de ter apanhado o autocarro da carris número 717 com destino aos Fetais, a casa da minha mãe – saio do mesmo junto ao metro do Campo Grande para esperar um amigo que já não via há muito. Desde o sábado passado.
Ao desligar o telemóvel, sinto um negro a puxá-lo pelos fones agarrando-o. Por instinto quase sem pensar, agarro-me ao telemóvel, levando um soco como consequência, mesmo no centro da bochecha.
Depois do negro apanhar o autocarro, um outro homem da paragem pergunta-me se está tudo bem, ao que respondo: está tudo bem, obrigado!




22 Fevereiro 2012

 CONTADO PELO ‘SOQUEIRO’
“cuidado com a escrita”

Txé mano – estava sem o móvel naquele dia e também não tinha guito porque gastei-o na droga que orientaste no outro dia, tás a ver? Pá, ya.
Estava na paragem do 717 no campo grande para ir para as galinheiras e chegou o autocarro e vi um gajo a sair, todo merdinhas, com a camisa apertada até ao pescoço, loiro de olho azul a ouvir música ou a falar com alguém. O telemóvel era da nokia, branco um 5310. Era mesmo bacano, tás a topar a cena?
Pá, ya, caguei puxei-lhe os fones e agarrei-lhe no telemóvel. Meu, com o Nigga ninguém se atreve. Espetei-lhe um soco mesmo no focinho, o gajo deve ter ficado mesmo mal, mas ya, depois não podia perder o autocarro, né? Estava com outros cinco manos, não podia desorientar-lhes a cena.
Comigo ninguém se mete só te aviso. [E solta uma gargalhada…]

24 Fevereiro 2012

CONCEBENDO UMA REPRESENTAÇÃO DA OCORRÊNCIA
Venho por este meio comunicar a vossa excelência que no dia 20 de fevereiro, por volta das 18:00 horas deverá deslocar-se, como de costume, à Avenida Almirante Reis para apanhar conjuntamente com outras entidades desconhecidas, o autocarro número 717 da carris.
Deverá manter a calma, pois só não se ajeitará no meio de alguns desconfortos como empurrões e cotoveladas, como ainda irá ser pisado por uma pequena senhora de fraca estrutura, tentando as tendências sobre o chapéu requintado que transportara que irá deixar cair, obrigando-o a apanhá-lo.
Na estação do Campo Grande junto ao metro, deverá sair tendo em consciência que pegará no telemóvel para desligar uma chamada que pouco antes irá receber de André.
Não se surpreenda com o puxão que irá sofrer do telemóvel e dos fones que o conectam; por instinto deverá reavê-los, tirando-os de volta das mãos do sujeito de cor que se sentirá no direito, com alto nível do ego que o acompanha na companhia de outros cinco sujeitos, de lhe oferecer um gesto violento e repentino sobre a sua bochecha, mesmo no centro.
Sem nervos algum não reaja. Deixe-os entrar no autocarro sem penalização judicial.
Também estarão presentes outras tantas pessoas na paragem à espera de outros diferentes autocarros que sem reacção, por fim, lhe perguntarão sobre o seu estado emocional ou físico ao qual responderá que está tudo normalizado, agradecendo.

24 Fevereiro 2012
MESMO AO LADO
Como outro dia qualquer, saio do meu emprego que se situa mesmo ao cimo da Guerra Junqueiro, oblíqua à Alameda e vou para a paragem do 717 esperar pelo autocarro.
Chegou. Eu apanhei-o e no meio de tanta engalfinhada e barulhos, não consegui conter-me às «caralhadas» que em contexto pareciam servir-se como palmas em espectáculos e saio chateada na estação do Campo Grande para apanhar outro autocarro, menos perverso talvez, com o intuito de não me inspirar em tais palavras. Ainda ouvi falar nuns socos e desatinos que no mesmo local se desenrolaram.

25 Fevereiro 2012
HISTÓRIA
Era uma vez, um rapaz loiro, de olhos azuis, magro, de estatura alta com o nariz inchado, inclinado ligeiramente para a frente e para baixo, todo e sempre vermelho como Adolfo. Chamava-se Gabriel.
Um pouco ingénuo, fora alvo de constantes assaltos ou pelo menos cobaia de algumas tentativas menos certeiras, que certamente contribuíram para o abatatar crescente dos cornetos que já mal conseguiam respirar, cumprir as suas funções!
Certo dia, num dia tempestuoso, ao ir para casa voltando da escola, decide sair do autocarro que o encaminhava como que já prevendo o que iria acontecer inesperadamente.
- “Vou-te gamar!” – Ouvira subitamente depois de levar um soco na cara. Mas tão herói e corajoso era, também que lançara as suas avarentas aventuras num só gesto e ripostara, sem sorte. A razão desta guerra envolveu-se num interesse e numa atitude que naquelas circunstâncias se viam tornadas ao egoísmo e ao egocentrismo que competiam a indivíduos da mesma raça – o roubo do telemóvel do Gabriel.
 Desamparado em reacções, soltara um obrigado violento à atenciosidade de um viajante que por ali passara, de mala às costas.
Outro autocarro ia a passar e já acompanhado chegou a casa e foi para sempre até morrer, sofrido do mesmo assunto.


01 Março 2012
PROGRAMAÇÃO CULTURAL
Local: Campo Grande, metro
Performance – “O Roubo de um telemóvel e um «sopapo» ”
Horário: 18:00 horas
Participantes: Gabriel e grupo associado à cooperativa de assaltantes das galinheiras.
Entrada livre.
“O Roubo de um telemóvel e um «sopapo» é uma performance que visa alertar para um problemática actual conseguinte da exuberante falta de respeito e atentado à propriedade privada de cada indivíduo, submetendo o público ao contacto directo com tal perversidade.

04 Março 2012
TELEGRAMA

20 Fevereiro. 18:00 Horas. Campo Grande metro. Paragens carris número 717. Fui assaltado. Roubo de telemóvel sem efeito. Levei soco bochecha. Verifiquei preocupação alheia.

10 Março 2012
RECEITA
“roubo telefónico”

Ingredientes:
1 Telefone (preferencialmente)
1 Ladrão
1 autocarro lotado
1 paragem lotada
1 indivíduo bem-educado
Preparação:
Deixar o telefone bem à vista da população que deve fazer lotar o autocarro; empurrões para aqui e para ali, deve retirar o individuo por fim, na paragem mais lotada no centro da cidade (Campo Grande). Posicionar o ladrão, disposto na mesma paragem esperando o mesmo autocarro. Fazer coincidir ambos no mesmo local, esperando que o soco seja bem servido após uma reacção apressada do ingrediente contrário.
Por fim deve pegar na boa educação, e juntá-la ao indivíduo que sofrera o soco, impedindo que a massa se junte e se encaroce.
Deve, preferencialmente, polvilhar com uns: “tudo bem” e outros “obrigados”.


No quarto, na cama
15 Março 2012

Já que tão Românticos estamos, e intensos – assinalo que nas grandes paixões não há regras!
Acredito que a sociedade bem nos consuma e sufoque, mas decerto que não nos impede de amar, mais ou menos.
As próprias pessoas se sufocam quando da sociedade se julgam mal olhadas.
Quando se sente, quando se ama, como a cor vermelha das papoilas vive, a sociedade não importa. Digam o que disserem!

No autocarro número 717
17 Março 2012

É automático, logo que entro, penetrando, filas nos Fetais, junto ao minipreço lá do bairro na paragem terminal do autocarro que se destina à Pç. Chile ou ao «pxile» como diria a minha irmã faz tempo engolindo a ‘praça’, outras vezes mais atrás, ouvir um ou outro sujeito ou sujeita reclamando por isto ou por aquilo, por alhos e bugalhos que jamais pensariam invadir com tanta gravidade, a nossa Lisboa.
Ainda falava Cesário de umas senhoras, de uns mendigos, de uns insatisfeitos, de uns cachos de uva. Eu que o diga, Cesário, que sorte tens de não pertenceres ao século XXI!

Numa mesa do café “Portugália”, ali entre os anjos e arroios
19 Março 2012

Oiço um tremelicar baixinho, e ao olhar pela estreita do vidro não encontro ninguém. Dou golo a golo no café quente que me empurra vorazmente no asseio desta melodia.
Esperando encontrar robusta personagem no discurso de tais belas palavras sobre a minha cheirosa Lisboa, deparo-me apenas com um arrumador de carros, assobiando um fado, o de Amália, que de longe daquela confusão – relembrava o núcleo de uma Lisboa agitada à luz de um barco à vela, chegado da Trafaria. Era um fado um quanto nostálgico, como que saído do esgoto que outrora fora jardim.

Na praia
21 Março 2012

Por superstição ou não, vim mergulhar para os lados de Sintra. Agora é assim, vindos de Lisboa, poluída – “ao gás”, é necessário por vezes um bom mergulho no tejo, na extremidade, para purificar a alma.

Numa galeria qualquer
23 Março 2012

“Mamã, deixas-me andar de escultura?”
‘A forma é um mal da matéria’. A forma é fome. É a necessidade que o homem tem de transportar a realidade, qualquer ela que seja, para dentro do seu estômago.
O mal está que a obesidade não dura para sempre!

No Porto, na Ribeira, à noite
4 Abril 2012

No Porto, junto à Ribeira, convido mais uma vez Eça a tomar café comigo, pela noitinha.
A noite, ainda fetal – está clara e vulnerável a todas as estrelas e mais algumas. Trocando cigarros, falamos das avenidas e ruas, como vira Lisboa, sobre os telhados de uma torre algures, praças escondidas, desabitadas.

No metro
10 Abril 2012

Acho incrível toda a capacidade de flexibilidade e destreza que o ser humano tem para conseguir permanecer intacta a frieza com que se demanda no seio das centenas de pessoas que por aqui passam à hora de ponta.
Parecem bandos de ovelhas, rebanhos. [alguns paradoxos, algumas ironias, algumas brincadeiras com a realidade]

Na aula de Português
19 Abril 2012

A mulher citadina que responde a Cesário, sobre a forma de uma quadra nas mesmas características com que este a referencia:
“Depende sempre de quem nos queira”
E, como um vagabundo que herói se julga
Vi em lixeiras, também, pequenas flores
Do pequeno regador a que todos me entrego
Duma pega há quem morra, por mim, em amores!


No metro
24 Abril 2012
Lisboa perdera energia, aquela vontade que permitiu um dia a revolução. Agora só resta esperar e contemplar a chuva que humedece os vidros do comboio todas as manhãs e as papoilas que deram lugar aos cravos.
Cesário! Bem-prevista a tua visão sob os esgotos luminosos desta cidade, onde parecem habitar somente ratos e ratazanas.

6 Maio 2012
Desconfio que o meu cérebro reptiliano esteja descontrolado ou até mesmo superior aos outros que me deviam condenar nas supérfluos rotinas emocionais com que trabalho e desenvolvo a inteligência! Não paro de comer, de encher a gula que parece não encher.
Sinto então que a amígdala se deva sentir deprimida, não sei… Ou com que demasiado a preocupar, que por fim, desistira e entregara a inteligência suprema ao estômago. Devo preocupar-me?



Na obra do meu pai
9 Maio 2012

Entrava eu, sorrateiro, na porta cujo número de polícia ainda é o 163 a 167 situado na rua de S. Lázaro, na freguesia da Pena, quando me defronto com o antigo e conhecido engenheiro amigo de meu pai, dono de mais uma obra que lhe ocupava os frescos dias de Maio. Ia trabalhar. Agora com 17 anos tentava corrigir e ou defender-me dos erros políticos e das crises emocionais que abalavam o exotismo da cidade de Lisboa que desde Cesário Verde se vê desgastada… apenas “flashando” aqui e ali.
Procurando a ferramenta necessária vejo-me necessitado a recorrer à dica do mestre:
“ O bom artista faz o seu instrumento!”

10 Maio 2012
Hoje apetece-me não ir para a escola e não pelos mesmos meios. Jamais me lembrara pôr em prática levar Os Maias comigo, um dia, às minhas aulas literárias: talvez convide Carlos, Tomás de Alencar, João da Ega. E porque não experimentar também um transporte diferente?
Entravam então na estreita rua que ia dar à Picheleira – e nesse preciso momento, um coupé da Companhia, chegando a longo trote do lado da rua de cima, veio estacar à porta da escola. Eram de vez Os Maias e algumas personagens mais Gabriel, o autor do acontecimento.”

Páginas do diário da Ana Rita Azevedo



19 de Dezembro de 2011
Ali estava ele, todo imponente e ostensivo. Velho e sábio que me observava há anos.
Finalmente ganhei coragem (também por não ter outra hipótese), peguei-lhe e …A-tchin, foi a primeira coisa que me saiu da boca.
Conclusão, era óbvio que ninguém lhe pegava há anos. Até as páginas pareciam mais velhas que a capa. Cheias de anotações, dos tempos em que foi folheado pela minha mãe.
Enfim, agora é ter coragem para acabar de ler uma obra como Os Maias.

22 de Dezembro de 2011
O que é um bom livro? O que é um bom escritor? Todos têm opiniões distintas.
No que toca aos melhores escritores, uns dizem que foi Shakespeare, outros dizem que foi Camões, e outros chegam a dizer Ken Follet. Todos têm os seus gostos, as suas opiniões sobre o que é um bom escritor.
Nos livros não é diferente. Algumas pessoas afirmam que os melhores devem ser baseados na realidade, outros dizem que são os policiais, os de fantasia…
 Bem! Existem diversos escritores e livros diferentes. De todos os géneros e feitios, pois ninguém possui as mesmas ideias, o que faz com que sejamos todos diferentes.

6 de Janeiro de 2012
TEMAS ESQUISITOS
Nas aulas de português há sempre dois alunos que fazem apresentações orais.
Nada de especial, lêem  um texto escolhido por eles, ou uma página de diário, e depois falam sobre algo à sua escolha, ou relacionado.
Nada de especial, nem complicado. O pior é a seguir. Pode ter-se falado da coisa mais banal de sempre, mas os temas para a dissertação que saem da cabeça da professora Risoleta, fazem-me pensar de onde é que aquele tema saiu? E repete vezes e vezes sem conta….




12 de Março de 2012
Existe todo o tipo de vozes. Vozes graves, agudas, grossas, finas, de homem, de crianças, de mulher….
A minha voz é normalmente fina, mas quando me irrito ela começa a ficar cada vez mais fininha. Até me passa a raiva, só pela figura de parecer um desenho animado. Nem parece que falo português.
Aposto que um dia vou irritar-me de tal forma que a minha voz será capaz de partir um copo. Ao menos ou para rir da figura que vou fazer.





14 de Março de 2012
PASTÉIS DE NATA
Hoje, estava a passear calmamente pela baixa lisboeta, quando de repente fui seduzida pelo cheiro que provinha de uma pastelaria de aspeto antigo.
Ao entrar, vi uns pastéis de nata com um aspecto maravilhoso, acabadinhos de fazer.
Não consegui resistir e pedi um pastel de nata e um café. Comi vagarosamente, aproveitando aquele momento, naquela pastelaria inspiradora, muito mais antiga que eu. Eu nunca vira nada tão antigo.
Era deveras antiga.  Daquelas que passam de geração em geração. Será que o Cesário Verde apreciou um momento assim naquela pastelaria, como eu?

6 de Abril de 2012
SEXTA-FEIRA SANTA
Sexta-feira santa
Vou rezar em campo aberto
Talvez descubra a campa
Onde enterraram o que é certo

Minha fé está abalada
Não é de agora, é de há muito
Entrei num refasto deserto
Sobreposto por grossa camada

Desilusão, é mentira
De crenças que não são nada
Minha fé está abalada
E a culpa é do homem esperto



15 de Abril de 2012
Ontem vi, pela janela da sala da aula de português , uma criatura lindíssima, e também uma das que mais amo.
Um cavalo negro como o carvão, a pastar calmamente, junto ao cemitério, quando de repente levanta a cabeça, e observa algo na minha direcção.
Que saudades que tenho de montar aquelas criaturas magníficas.
Adorava ter nascido na época d'Os Maias, onde quase todas as pessoas possuíam um cavalo.
Não pelos vestidos, nem bailes nem estatutos, apenas pelos cavalos. Se pudesse montar todos os dias era a rapariga mais feliz do século.


18 de Abril de 2012
Na passada aula de português a minha colega Teresa perguntou se havia algum grupo de teatro na escola.
De repente imaginei a turma toda a representar uma peça de teatro. Talvez Frei Luís de Sousa
A Teresa com as suas brincadeiras, o Alexandre de volta dos figurinos, o Gabriel a ensaiar, e muito mais…
Quando dei por mim estava com uma vontade enorme de me desmanchar a rir.

23 de Abril de 2012
GOUVARINHO
Estava a passear pelas ruas de Lisboa, e ficava chocada a cada minuto que passava. Jovens a namorar no meio da rua, adolescentes grávidas a passar, mulheres e homens cheios de metal na cara, homens e mulheres de mãos dadas com pessoas do mesmo sexo.
Todos de faixas sociais diferentes, mas sem se importarem. Tudo o que eu achava impossível e inimaginável tomou forma.
Para mim era tudo estranho e impensável, mas ao que parece a estranha ali era eu…

domingo, 18 de novembro de 2012

Página do diário da Joana R

“... cheias de mulheres que vestem por igual.”

            Desço aquela escadaria sem fim do costume, entro na carruagem, e fico com a sensação que mil e um olhares têm as objetivas focadas em mim. As caras quase inanimadas revelam a exaustão de mais um dia.
            Saí na minha estação, e um mar de gente apoderou-se do chão branco que existia, apoderado por aquelas cores escuras e sombrias das vestes.
            Uma jovem trazia um casaco com cores chamativas; por onde quer que passasse, os olhares curiosos seguiam-na, como se fosse censurada em tempo de ditadura.
            A meu lado estava uma criança com a pele delicada e de barriga cheia que se levanta de uma forma teatral dizendo: “- As mulheres vestem por igual”.

Joana Rodrigues

Página do diário do Tomás



Beleza de um mordaz sentido
Expectativa sinalizam A estranheza
Paradigma esquecer da Ninguém.
O resto sempre perde
O resto mundo cruzador
Presença do regra a pródigo
Premiado, morto pelo verso
Em Dividido exaustivo dissecar
Suscitada culpa do que para um
O faz no a um.
Poema dadaísta
Tomás Neves

Página de Diário da Inês Duarte




“Arquipélagos”

O Homem é uma ilha. Nessa ilha está uma árvore. A madeira dessa árvore serve para construir meia ponte. Só meia! Essa ponte serve para chegar a outras ilhas, mas só fica completa se a outra ilha construir a outra metade.
As grandes ilhas são aquelas que têm a mania de chegar a toda a gente; a árvore delas cresce muito depressa e a ilha também, para ter espaço para todas as pontes.
Então e existem ilhas sem pontes? Não. Quando uma ilha se forma, já vem com pontes de ferro e passado algum tempo, quando a árvore cresce tudo o que tem para crescer, começamos a construir as nossas próprias pontes.
E as pontes velhas, não caem? Não. Nós é que as desconstruímos quando já não há hipóteses de elas ficarem de pé.
Se o Homem é uma ilha, as suas relações são pontes e é assim que se formam arquipélagos.