quarta-feira, 12 de junho de 2013

Páginas do diário do Gabriel



No meu quarto, reflectindo
11 Janeiro 2012

E se um dia o mundo se virasse ao contrário?
Seriam as pessoas diferentes, com as ideias de hoje ao contrário?
Mas o mundo jamais cairá nessa tentação…

Na cama, na escola
16 Janeiro 2012

Manhã desastrosa
Numa daquelas manhãs de Inverno, de segunda-feira, onde a preguiça é a primeira acordar e a rotina semanal fora o pesadelo da noite, decido eu voltar costas à ronha e trocar as voltas.
De manhã, ao invés da tradicional tigela cheia de leite com chocapic, empanturrei-me de tigela com “chocapic” e leite.
De seguida, dirijo-me à casa de banho e não tomo a previsível acção, que esperam vocês ser a de lavar a cara, de novo.
[Sujando a água de tanto chapinar a cara inchada e remelenta em que me mostro no espelho da frente.]
Arrumo a mala de livros e trapilhos. Pego nos meus pés sem que eles me conduzam e levo-os até ao Sr. Roubado, o habitual, e apanho o metro até à escola.
Agora, colocando os pés ao lugar e todos os outros membros, que adormecidos permaneciam nos lugares de jeito, quebro o silêncio estúpido e irritante das gentes robotizadas, pelo «entra e sai» do metro, pondo q. b. de voz na língua e um pouco de alegria, cantarolando como alguns pedintes que aqui e ali preenchem a vida “metrana” quando este mais mendigo não poderia estar.
As pessoas, trocando as voltas que seria de esperar, dão o silêncio aos tremores ruidosos da máquina ferril e libertam um coro de cantos dispersando-se cada uma delas nos locais seus de costume, de rotina.
Eu, À escola chego. Troco mais uma vez as voltas e para à rotina não falhar, volto as costas à escola e à cama me torno na rota do metro, de novo a tomar.


No meio de um jardim de laranjeiras
10 Janeiro 2012

Árvore.
Todos pensamos numa simples planta que nos dá bons frutos. Mas é muito mais que apenas isso. Se pararmos e olharmos para uma árvore podemos ver tantas coisas! Muita importância e significados múltiplos.
Umas simples laranjeiras podem ser consideradas (em certos países) como o fruto de ouro. A árvore não é somente aquilo que nos dá.
É vida, é história, contos de fadas, símbolo que nos identifica em circunstâncias: por emoções, sabores, sons…
É o bebé que aprende a crescer, a criança alegre, o adolescente que tem belos e únicos prazeres, o adulto que recorda, o velho que morre. A geração.

A partir de agora de várias formas
20 Fevereiro 2012

RELATO RÁPIDO
um soco que levei ao sair do autocarro 717 no Campo Grande.
Depois de sair da escola, de ter apanhado o autocarro da carris número 717 com destino aos Fetais, a casa da minha mãe – saio do mesmo junto ao metro do Campo Grande para esperar um amigo que já não via há muito. Desde o sábado passado.
Ao desligar o telemóvel, sinto um negro a puxá-lo pelos fones agarrando-o. Por instinto quase sem pensar, agarro-me ao telemóvel, levando um soco como consequência, mesmo no centro da bochecha.
Depois do negro apanhar o autocarro, um outro homem da paragem pergunta-me se está tudo bem, ao que respondo: está tudo bem, obrigado!




22 Fevereiro 2012

 CONTADO PELO ‘SOQUEIRO’
“cuidado com a escrita”

Txé mano – estava sem o móvel naquele dia e também não tinha guito porque gastei-o na droga que orientaste no outro dia, tás a ver? Pá, ya.
Estava na paragem do 717 no campo grande para ir para as galinheiras e chegou o autocarro e vi um gajo a sair, todo merdinhas, com a camisa apertada até ao pescoço, loiro de olho azul a ouvir música ou a falar com alguém. O telemóvel era da nokia, branco um 5310. Era mesmo bacano, tás a topar a cena?
Pá, ya, caguei puxei-lhe os fones e agarrei-lhe no telemóvel. Meu, com o Nigga ninguém se atreve. Espetei-lhe um soco mesmo no focinho, o gajo deve ter ficado mesmo mal, mas ya, depois não podia perder o autocarro, né? Estava com outros cinco manos, não podia desorientar-lhes a cena.
Comigo ninguém se mete só te aviso. [E solta uma gargalhada…]

24 Fevereiro 2012

CONCEBENDO UMA REPRESENTAÇÃO DA OCORRÊNCIA
Venho por este meio comunicar a vossa excelência que no dia 20 de fevereiro, por volta das 18:00 horas deverá deslocar-se, como de costume, à Avenida Almirante Reis para apanhar conjuntamente com outras entidades desconhecidas, o autocarro número 717 da carris.
Deverá manter a calma, pois só não se ajeitará no meio de alguns desconfortos como empurrões e cotoveladas, como ainda irá ser pisado por uma pequena senhora de fraca estrutura, tentando as tendências sobre o chapéu requintado que transportara que irá deixar cair, obrigando-o a apanhá-lo.
Na estação do Campo Grande junto ao metro, deverá sair tendo em consciência que pegará no telemóvel para desligar uma chamada que pouco antes irá receber de André.
Não se surpreenda com o puxão que irá sofrer do telemóvel e dos fones que o conectam; por instinto deverá reavê-los, tirando-os de volta das mãos do sujeito de cor que se sentirá no direito, com alto nível do ego que o acompanha na companhia de outros cinco sujeitos, de lhe oferecer um gesto violento e repentino sobre a sua bochecha, mesmo no centro.
Sem nervos algum não reaja. Deixe-os entrar no autocarro sem penalização judicial.
Também estarão presentes outras tantas pessoas na paragem à espera de outros diferentes autocarros que sem reacção, por fim, lhe perguntarão sobre o seu estado emocional ou físico ao qual responderá que está tudo normalizado, agradecendo.

24 Fevereiro 2012
MESMO AO LADO
Como outro dia qualquer, saio do meu emprego que se situa mesmo ao cimo da Guerra Junqueiro, oblíqua à Alameda e vou para a paragem do 717 esperar pelo autocarro.
Chegou. Eu apanhei-o e no meio de tanta engalfinhada e barulhos, não consegui conter-me às «caralhadas» que em contexto pareciam servir-se como palmas em espectáculos e saio chateada na estação do Campo Grande para apanhar outro autocarro, menos perverso talvez, com o intuito de não me inspirar em tais palavras. Ainda ouvi falar nuns socos e desatinos que no mesmo local se desenrolaram.

25 Fevereiro 2012
HISTÓRIA
Era uma vez, um rapaz loiro, de olhos azuis, magro, de estatura alta com o nariz inchado, inclinado ligeiramente para a frente e para baixo, todo e sempre vermelho como Adolfo. Chamava-se Gabriel.
Um pouco ingénuo, fora alvo de constantes assaltos ou pelo menos cobaia de algumas tentativas menos certeiras, que certamente contribuíram para o abatatar crescente dos cornetos que já mal conseguiam respirar, cumprir as suas funções!
Certo dia, num dia tempestuoso, ao ir para casa voltando da escola, decide sair do autocarro que o encaminhava como que já prevendo o que iria acontecer inesperadamente.
- “Vou-te gamar!” – Ouvira subitamente depois de levar um soco na cara. Mas tão herói e corajoso era, também que lançara as suas avarentas aventuras num só gesto e ripostara, sem sorte. A razão desta guerra envolveu-se num interesse e numa atitude que naquelas circunstâncias se viam tornadas ao egoísmo e ao egocentrismo que competiam a indivíduos da mesma raça – o roubo do telemóvel do Gabriel.
 Desamparado em reacções, soltara um obrigado violento à atenciosidade de um viajante que por ali passara, de mala às costas.
Outro autocarro ia a passar e já acompanhado chegou a casa e foi para sempre até morrer, sofrido do mesmo assunto.


01 Março 2012
PROGRAMAÇÃO CULTURAL
Local: Campo Grande, metro
Performance – “O Roubo de um telemóvel e um «sopapo» ”
Horário: 18:00 horas
Participantes: Gabriel e grupo associado à cooperativa de assaltantes das galinheiras.
Entrada livre.
“O Roubo de um telemóvel e um «sopapo» é uma performance que visa alertar para um problemática actual conseguinte da exuberante falta de respeito e atentado à propriedade privada de cada indivíduo, submetendo o público ao contacto directo com tal perversidade.

04 Março 2012
TELEGRAMA

20 Fevereiro. 18:00 Horas. Campo Grande metro. Paragens carris número 717. Fui assaltado. Roubo de telemóvel sem efeito. Levei soco bochecha. Verifiquei preocupação alheia.

10 Março 2012
RECEITA
“roubo telefónico”

Ingredientes:
1 Telefone (preferencialmente)
1 Ladrão
1 autocarro lotado
1 paragem lotada
1 indivíduo bem-educado
Preparação:
Deixar o telefone bem à vista da população que deve fazer lotar o autocarro; empurrões para aqui e para ali, deve retirar o individuo por fim, na paragem mais lotada no centro da cidade (Campo Grande). Posicionar o ladrão, disposto na mesma paragem esperando o mesmo autocarro. Fazer coincidir ambos no mesmo local, esperando que o soco seja bem servido após uma reacção apressada do ingrediente contrário.
Por fim deve pegar na boa educação, e juntá-la ao indivíduo que sofrera o soco, impedindo que a massa se junte e se encaroce.
Deve, preferencialmente, polvilhar com uns: “tudo bem” e outros “obrigados”.


No quarto, na cama
15 Março 2012

Já que tão Românticos estamos, e intensos – assinalo que nas grandes paixões não há regras!
Acredito que a sociedade bem nos consuma e sufoque, mas decerto que não nos impede de amar, mais ou menos.
As próprias pessoas se sufocam quando da sociedade se julgam mal olhadas.
Quando se sente, quando se ama, como a cor vermelha das papoilas vive, a sociedade não importa. Digam o que disserem!

No autocarro número 717
17 Março 2012

É automático, logo que entro, penetrando, filas nos Fetais, junto ao minipreço lá do bairro na paragem terminal do autocarro que se destina à Pç. Chile ou ao «pxile» como diria a minha irmã faz tempo engolindo a ‘praça’, outras vezes mais atrás, ouvir um ou outro sujeito ou sujeita reclamando por isto ou por aquilo, por alhos e bugalhos que jamais pensariam invadir com tanta gravidade, a nossa Lisboa.
Ainda falava Cesário de umas senhoras, de uns mendigos, de uns insatisfeitos, de uns cachos de uva. Eu que o diga, Cesário, que sorte tens de não pertenceres ao século XXI!

Numa mesa do café “Portugália”, ali entre os anjos e arroios
19 Março 2012

Oiço um tremelicar baixinho, e ao olhar pela estreita do vidro não encontro ninguém. Dou golo a golo no café quente que me empurra vorazmente no asseio desta melodia.
Esperando encontrar robusta personagem no discurso de tais belas palavras sobre a minha cheirosa Lisboa, deparo-me apenas com um arrumador de carros, assobiando um fado, o de Amália, que de longe daquela confusão – relembrava o núcleo de uma Lisboa agitada à luz de um barco à vela, chegado da Trafaria. Era um fado um quanto nostálgico, como que saído do esgoto que outrora fora jardim.

Na praia
21 Março 2012

Por superstição ou não, vim mergulhar para os lados de Sintra. Agora é assim, vindos de Lisboa, poluída – “ao gás”, é necessário por vezes um bom mergulho no tejo, na extremidade, para purificar a alma.

Numa galeria qualquer
23 Março 2012

“Mamã, deixas-me andar de escultura?”
‘A forma é um mal da matéria’. A forma é fome. É a necessidade que o homem tem de transportar a realidade, qualquer ela que seja, para dentro do seu estômago.
O mal está que a obesidade não dura para sempre!

No Porto, na Ribeira, à noite
4 Abril 2012

No Porto, junto à Ribeira, convido mais uma vez Eça a tomar café comigo, pela noitinha.
A noite, ainda fetal – está clara e vulnerável a todas as estrelas e mais algumas. Trocando cigarros, falamos das avenidas e ruas, como vira Lisboa, sobre os telhados de uma torre algures, praças escondidas, desabitadas.

No metro
10 Abril 2012

Acho incrível toda a capacidade de flexibilidade e destreza que o ser humano tem para conseguir permanecer intacta a frieza com que se demanda no seio das centenas de pessoas que por aqui passam à hora de ponta.
Parecem bandos de ovelhas, rebanhos. [alguns paradoxos, algumas ironias, algumas brincadeiras com a realidade]

Na aula de Português
19 Abril 2012

A mulher citadina que responde a Cesário, sobre a forma de uma quadra nas mesmas características com que este a referencia:
“Depende sempre de quem nos queira”
E, como um vagabundo que herói se julga
Vi em lixeiras, também, pequenas flores
Do pequeno regador a que todos me entrego
Duma pega há quem morra, por mim, em amores!


No metro
24 Abril 2012
Lisboa perdera energia, aquela vontade que permitiu um dia a revolução. Agora só resta esperar e contemplar a chuva que humedece os vidros do comboio todas as manhãs e as papoilas que deram lugar aos cravos.
Cesário! Bem-prevista a tua visão sob os esgotos luminosos desta cidade, onde parecem habitar somente ratos e ratazanas.

6 Maio 2012
Desconfio que o meu cérebro reptiliano esteja descontrolado ou até mesmo superior aos outros que me deviam condenar nas supérfluos rotinas emocionais com que trabalho e desenvolvo a inteligência! Não paro de comer, de encher a gula que parece não encher.
Sinto então que a amígdala se deva sentir deprimida, não sei… Ou com que demasiado a preocupar, que por fim, desistira e entregara a inteligência suprema ao estômago. Devo preocupar-me?



Na obra do meu pai
9 Maio 2012

Entrava eu, sorrateiro, na porta cujo número de polícia ainda é o 163 a 167 situado na rua de S. Lázaro, na freguesia da Pena, quando me defronto com o antigo e conhecido engenheiro amigo de meu pai, dono de mais uma obra que lhe ocupava os frescos dias de Maio. Ia trabalhar. Agora com 17 anos tentava corrigir e ou defender-me dos erros políticos e das crises emocionais que abalavam o exotismo da cidade de Lisboa que desde Cesário Verde se vê desgastada… apenas “flashando” aqui e ali.
Procurando a ferramenta necessária vejo-me necessitado a recorrer à dica do mestre:
“ O bom artista faz o seu instrumento!”

10 Maio 2012
Hoje apetece-me não ir para a escola e não pelos mesmos meios. Jamais me lembrara pôr em prática levar Os Maias comigo, um dia, às minhas aulas literárias: talvez convide Carlos, Tomás de Alencar, João da Ega. E porque não experimentar também um transporte diferente?
Entravam então na estreita rua que ia dar à Picheleira – e nesse preciso momento, um coupé da Companhia, chegando a longo trote do lado da rua de cima, veio estacar à porta da escola. Eram de vez Os Maias e algumas personagens mais Gabriel, o autor do acontecimento.”

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