segunda-feira, 4 de junho de 2012

Páginas de um diário literário


Sou escova da Maria
Todas as noites
antes de dormir
separo os seus longos cabelos
tão longos quanto a sua inteligência

O pequeno fruto
tão pobre, tão pequeno,
tão nova, tão sofrida        
Oh! Mal sabe o que a espera

De cabelos iguais aos de sua mãe Madalena,
estes cheiram a doença e veneno,
e têm um toque peculiar
de desgraça e desespero.




Audácia do pensamento

Cabeça humana sem limites
tudo o que pensa é privado,
 a não ser que o partilhe.
Aquilo que tem apenas uma barreira,
a nossa permissão para se soltar
é de grande atrevimento aquilo que estamos a pensar.




Máscaras

Conta-me o que escondes.
Refugias-te nesse disfarce,
Imitando viscondes
Nessa máscara que arrasta mistério.

Vomitas uma certa arrogância,
Deixas um cheiro que me persegue.
Foges com elegância
E eu exaltante como mais ninguém consegue.


     Observei aquele senhor. Era invulgar, tinha uma cara memorável. De cabelo grisalho e bigode e uma grande barriga, tão grande que tinha um centro gravitacional porque tudo girava à sua volta, a atenção de todos centrava-se nele. De postura imponente não passava despercebido, aliás porque tinha algo diferente, difícil de explicar… era assim… “ um senhor com uma voz cheia de dentes”.




Fugitiva com o meu fruto
Dissecaste-me o coração.
Raptaste a minha luz e
Carreguei com a adulteração.




     Sempre a senhora na mesma janela, na mesma varanda, todos os dias, toda a vida.
     Coitada! O tempo passou por ela e deixou marcas, trilhos na sua pele como aqueles que há na terra. A velhice destruiu o seu interior, não o lado dócil e pensativo, mas a doença rasgou o seu corpo e agora só resta um cadáver pesado pousado à janela a desfrutar a sua última vista.




Eu, mulher bela e altiva
Reparei em ti pela primeira vez,
quando te espezinhava
e tu amando-me talvez.

Eu na figura de diabo,
Depois de te infetar com o meu veneno,
E de te transbordar com o teu falso amor,
Comando-te meu escravo pequeno!

Ganhei este jogo de sedução
Representei uma mulher perfeita e amorosa,
Mergulhaste na minha armadilha perdedor uma figura rancorosa.







De quem não me despedi
Depois do telefonema a notícia foi-me dada. Estática e imparcial por dois segundos. Tempo de reação. O meu corpo reagiu. O sangue do meu corpo caiu a uma velocidade impressionante aos meus pés, deixando-me numa figura pálida quase como um cadáver; de seguida como se me tivessem rasgado a pele do peito, invadiu o meu corpo e apertou o meu coração, só me apetecia gritar até os meus pulmões encolherem como uma passa de uva, mas também me estavam a sufocar a garganta.
Nesse momento a minha mente atuou. Fotografias congeladas no meu cérebro quebraram o gelo e voltaram à tona. Uma infeção de bons momentos, alegria e recordações apoderou-se da minha mente e dominou os meus olhos, e apenas estes me conseguiram aliviar esta tensão.  

Rita Viela

Um comentário:

  1. Os filhos de Abraão

    Os gritos ainda ecoam
    Em cada canto, em cada trincheira,
    Em todos os túmulos.

    Restos mortais exibidos
    Como souvenires
    Enchem de orgulho
    O primitivo estágio ariano.

    O sangue do cordeiro
    Continua a jorrar
    No solo árido.

    Até que ponto a Bestialidade
    Deixará de existir em um mundo
    Que se deseja mais humano!

    Crente ou ateu
    Incrédulo ou cético,
    Auschwitz continua vivo em nossa memória:
    Um pesadelo que brotou
    E nunca mais se apagou.

    Inocentes ali pereceram,
    Sobreviventes dali morreram,
    Levaram todos para o túmulo
    O sacrifício dos filhos de Abraão.


    *Do livro (O Anjo e a Tempestade) de Agamenon Troyan

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